sexta-feira, 2 de março de 2007

Não aprendi ainda...




Quando notei aquela presença, fiquei meio nervoso. Seus olhos me fuzilaram, me deixaram estirado no chão, sem sentidos. Quando consegui me recuperar, uns 15 segundos depois, consegui desviar os olhos dela. E ela ainda persistiu algumas vezes, com seu olhar em mim, eu podia sentir o seu olhar me queimar a pele.

Seus olhos, de um azul que eu nunca havia visto, me deixaram pensativo. Porque aqueles faróis imensos e acesos procuravam iluminar a minha, até então, forma desprezível? Enchi-me de coragem e olhei novamente. Demorou uns segundos, e ela fixou na minha pessoa novamente. Dessa vez, esperei que desviasse o olhar, e isso não demorou.

Nervosamente ela mexia o cabelo de 10 em 10 segundos. De todo jeito. Achei que ela teria um ataque nervoso. Eu, imóvel permaneci. Pela minha inércia natural, e talvez pelo choque daquela situação impensada até então.

...

Cabisbaixo eu seguia para a Santa Casa. Há 2 semanas eu monitorava a minha pressão, que não andava nada baixa. A dor de cabeça estava me deixando doido e qualquer esforço me era dobrado. Ofegante eu subia a Senhor dos Passos.

Nunca foi fácil ser eu. Assim como eu acho que não é fácil ser ninguém. A dor do homem, ao levantar de manhã e carregar o seu mundo nas costas, pode ser insuportável. Pode destruir tudo o que se construir adiante. Pode inclusive eliminar a vontade de se levantar pela manhã.

O remédio receitado, o caminho alinhado, é hora de trabalhar. Inclusive, já faz horas que é hora de trabalhar.

...

Não sei em que estação ela subiu. Nem mesmo me lembro em que estação ela desceu. Mas sei que quando me olhou, me fez sentir o único verdadeiro homem naquele vagão.

Ela me olhou como se olhasse um doce na vitrine. Como se faminta por algo, fosse saltar sobre o meu corpo e me devorar de uma bocada só. Seu olhar ela libidinoso, imoral quem sabe. Sei que adorei.

Seu corpo esguio, sua pele branca. Eu quis por momentos sentar ao lado dela. Era minha segunda chance do dia, e eu não sabia o que estava acontecendo. Meus dias não são assim, devo estar sonhando ainda.

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Enquanto eu caminhava para o ponto de ônibus, eu fiquei pensando o quanto eu sou devagar. Eu a segui por momentos no centro de POA, e ela ainda me olhava. Era evidente o seu interesse, mas mesmo assim eu não tive coragem de abordá-la. Penso no que eu poderia ter dito.

Inclusive, dizer o que a uma pessoa que não se conhece? E o pior, sabendo que o único assunto em pauta, evidente para ambos, é o interesse na aparência um do outro.

Sendo o primeiro contato verbal um marco em qualquer relacionamento, como pode ele ser desperdiçado com qualquer assunto senão o lirismo? E como mostrá-lo a alguém que não conhecemos senão à alguns minutos (talvez segundos)?

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No ponto de ônibus, ela sorriu para mim. Não sei porque razão, eu sorri de volta, e quase exclamei algo como "Belo dia, não?". Ainda bem que não abri minha boca, pois o dia estava um inferno quente e chuvoso.

Nossos olhares se cruzaram por mais de uma vez. Numa delas, eu tive certeza de distraí-la, pois ela deixou que seu material caísse todo no chão, como quem sofre um choque violento e perde o controle dos nervos da mão.

Ela riu de si mesma, pela situação ridícula. Eu gostei mais ainda dela. Poderia alguém lindo como ela, passar por uma situação embaraçosa e ainda rir do acontecido. Ela não se cobrou nem um pouco, mesmo sobre os olhares de vários estudantes risonhos.

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Durante todo o dia, recebi elogios dos olhos, bocas, mãos e nervosismo de mulheres. Engraçado que isso ocorreu em apenas um dia, como se ocorresse naturalmente em minha vida. Eu sofro de uma grave crise de auto-estima exatamente por causa do contrário.

Me sinto insignificante ao lado de mulheres. Me sinto as vezes um lixo ao lado de outras. E neste bem-dito dia, tudo de bom me acontece, pelo menos neste sentido.

Entretanto, tive a chance de conversar com qualquer uma delas, de trocar idéias e quem sabe, dividir as minhas intenções, e não o fiz. Não o fiz por falta de traquejo, por falta de controle de mim mesmo. É como entregar uma faca na mão de uma criança que nunca pegou o lápis e dizer "vai, me opere".

Porque nada na minha vida é aos poucos o suficiente para que eu aprenda comigo mesmo?

Sou um cara lento.


2 comentários:

Helder Herik disse...

muito bom esse texto. lírico e instrutivo.
abraço

Carol Gabbi disse...

huahuhauhauahuahuah lento??? será??

Mas um dia destes não é nada mal... que vanham outros!!