segunda-feira, 12 de março de 2007

Entrevista

- Por favor senhor, nós gostaríamos de fazer uma entrevista...
- Não, estou com pressa...
- Por favor senhor, é rápido, é sobre o Big Brother.
- Hum... é? E vai aparecer na tv?
- Sim, vai sim.
- Então tá. Mas tem que ser rápido mesmo, tenho que chegar ao banco em men...
- Sim, sim, não se preocupe.

Dois minutos de maquiagem e luz. O cenário era um fundo azul, completamente estranho para ele.

- Então, o senhor saberia me dizer, me contar um pouco sobre a rotina da casa do Big Brother?

Ele então discorre alguns detalhes, seus participantes preferidos, e até sua opinião simples e parcial, de trabalhador alienado do terceiro mundo. Sai feliz e satisfeito de ter contribuído com algo tão importante quanto o seu programa de televisão favorito.

Corre para o banco, na intenção de chegar na hora para pagar as contas da empresa. Eles dependem dele, imagina. É o último a entrar na agência, a fila está enorme. Liga o walkman, desligado desde o seu devaneio depois da entrevista tão importante. Uma música lhe desperta do seu inconsciente. É apenas uma valsa, uma coisa do seu passado.

...

A mãe dança com o pai na cozinha. A comida lhe espera nas panelas, enquanto o pai lhe faz a gentileza, lhe tira para dançar a sua música.

...

Tão vivo em sua mente, o falecido pai sempre distante, em um momento tão próximo. Sempre estivera tão imerso em seu inconsciente, em sua rotina impensada e cheia de rituais bobos. Lembrou de todo o tempo que perdeu estando ao mesmo tempo perto e longe dele. Sentiu que toda a culpa do mundo pesava em suas costas agora, e aquilo não era mais possível ser repetido ou concertado. Lembrou o fraco coração da mãe, que lhe aguardava em uma cama de hospital não muito longe dali.

Quando chega do trabalho, corre ao armário, tira os álbuns de fotos e beija a esposa. Corre a rua e pega o primeiro ônibus que passa perto do hospital. Entusiasmado chega ao hospital. Quando procurou pela ala e pelo número do quarto, lembrou de quanto tempo perdeu para ir até lá. Aliás, era a segunda vez que visitava a mãe naquele lugar. Ela não tinha nem doador quando ele lhe viu pela última vez. Sentiu-se com a maior culpa do mundo novamente.

...

Ela falecera segundos antes. Suas últimas palavras para com as enfermeiras foram:

- Eu vi meu filho, eu vi meu filho hoje. Ele estava na televisão.

3 comentários:

Helder Herik disse...

UM TEXTO INTELIGENTE E MUITO FORTE ESSE SEU.

PARABENS. MUITO BEM ESCRITO.

Jane Ferreira disse...

Nossa... Não querendo desmerecer, sei que escreves maravilhosamente bem, mas isto saiu assim, do nada da tua cabeça? Estou simplsmente boquiaberta.
Simplemsnte meus parabéns.
Sem mais.
beijo

Jose Lozano (Espanhol) disse...

Como os valores nesta vida se invertem, já esquecemos dos sentimentos e colocamos outras coisas na frente.
Na maioria das vezes merdas que fazemos e quando queremos voltar já é tarde ...
Por que somos assim? Porque não despertamos antes? Porque deixamos sentimentos trancados? Porque não falar aos que amamos que realmente amamos?
Vejo teu texto e tenho vontade de gritar ao mundo como gosto de meus amigos, como gosto de minha familia, chorar e rir ao mesmo tempo. Mas a sociedade, o dinheiro e as pessoas nos aplacam ... A todos? Espero realmente que não.
Um abraço e se cuida.