segunda-feira, 28 de abril de 2008

Sou racional demais, algumas vezes.

Posso passar algumas horas dentro de alguma galeria, museu ou exposição. Entender idéias e compartilhar de sentimentos de artistas plásticos e escritores. No final, posso ficar chateado te ter de pagar para entrar.

Um filme me tira da realidade às vezes. Posso chorar ou rir, concordar ou discordar do roteirista. Se tiver ingresso de mais de R$ 8,00 reais eu boicoto. Vou à contra-gosto ao cinema, apesar de adorar o ambiente, o meio e a mídia.

Comprar um livro pode ser prazer ou dor, dependendo do título. O autor me identifica na multidão de olhos atentos, lacrimejantes ou entreabertos pelo sorriso. Se não for da série “pocket” eu nem olho.

Érico Veríssimo me fez chorar no ônibus.

Sou sentimental demais às vezes.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Não são sardas...

Vagalumes.
Sobre as copas
Noites iluminadas
Pelo desejo
De namorar dos
Vagalumes

Prateleiras

Procurava pelas ofertas em uma grande prateleira de óleos de cozinha. O preço lhe era salgado mesmo o menor deles. Pegou o que achou ser o melhor custo benefício e saiu dali, com quatro garrafas pelas mãos, quase caindo ou trombando em tudo o que passa.
Seu carrinho está longe, sua mulher e sua filha o aguardam apreensivas. O tempo voa quando se está no supermercado.
- Eu falei só 2 garrafas, tu não ouviste?
O tom de voz era o que mais lhe irritava. Ela falava como se estivesse diante de uma criança mal-criada, que zomba de sua tirania em silêncio. Guarda no seus olhos o semblante de reprovação e o ódio em seu coração transborda pelo seus poros. Agüenta em silêncio.
- Não posso mais falar nada, é isso?
O sangue lhe ferve na garganta. Ainda assim, não grita:
- Eu não ouvi, não sou idiota, apenas não ouvi.
- Não presta a atenção em nada.
- Olha, se vai ficar me tratando como idiota, pode ficar sozinha com as compras.
Poderia correr a rua, ou desprender um tapa proveniente da alma. Mas caminha para o próximo item da lista.

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Esticava o pescoço para enxergar o quadro, o que lhe rendia uma extensa dor no pescoço e ombros no final do dia. As dores de cabeça eram provenientes da visão fraca, que lhe fincavam na cara um óculos velho e feio. O único que os pais pudera comprar.
Sentava no fundo da classe. Achava que assim não era tão visado e podia até mesmo rir das piadas sem ser notado. Como toda criança franzina de 11 anos, tinha medo de ser chacota de colegas maiores. Como pode alguém não perceber a maldade nos olhos das crianças.

Elas não tem perdão e julgam, sem mesmo ser convidadas, qualquer semelhante que lhe cruzar o caminho com as costas curvadas e óculos fundo de garrafa. Passam da violência verbal para a agressão física para se auto-afirmar e não tem medo ou vergonha de adultos. Apenas aceitam as suas decisões pois não poderiam revidar com mesma força. São a crueldade da humanidade.

Ele achou que passaria sem ser notado. Entretanto, houve um professor que mudou o seu lugar na classe e amaldiçoou o seu futuro com o apelido de “micuim”. Não era nada, só uma bobagem. Era pra soar engraçado, mas não o era nada engraçado nas noites de pranto sem sono em que ele mergulhou.

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Passaram pelos laticínios e frutas, estavam quase chegando ao fim da jornada. Ele se virou, depois de muitos desentendimentos e disse o que sentia, de um jeito que somente quem já foi casado por muito tempo diria:
- Eu preciso de ti. Não posso ficar achando que não gosta ou não quer a minha companhia. Eu te amo.
- Eu também, e te peço desculpas. Acho que exagerei.

E durante um bom tempo, próximo aos olhos dos homens, o amor foi celebrado em um longo abraço de matrimônio. Aquele que se respira alternado e que o cheiro embala o medo de soltar.

Um carrinho de supermercado ali próximo acertou o seu traseiro em cheio e deslocou o corpo dele sobre ela. Depois de virar-se, ele exclama com o estômago:
- Tem gente que não se flagra.
- É verdade.
- Quer se agarrar vai pro motel...

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Sua mãe e pai achavam que ele esquecia ou não ligava. O que uma criança pode ter de preocupação a não ser brincar e se divertir? Mesmo quieto ou à noite, os seus olhos enxergavam e seus ouvidos ardiam ao som de seu apelido. Começaram os insultos na sala de aula e ele, cada vez mais revoltado, acabou por agredir vários colegas de classe.A fúria crescia mais rápido que ele, atrapalhando o seu aprendizado.

Sentia-se humilhado a cada brincadeira e não suportava mais a presença de alguns colegas. Percebendo isso, estes eram o mais desagradáveis que podiam com ele, explorando suas fraquezas e seu despreparo. Não existe ética na infância.

Entendeu que não podia lutar. Guardava cada palavra, cada vergonha, todo insulto ou grosseria, toda e qualquer humilhação em sua dispensa particular. Por anos se lembraria de cada gesto que não lhe concederam o esquecimento. Não sabia quanto lugar havia em seu coração, mas era involuntário. Estava lotado, mas sempre caberia mais.

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Sua filha adorava empurrar o carrinho até o caixa. Impossível para os músculos de uma menina franzina de 5 anos sem a ajuda escondida do pai. A fila não assusta a sua paciência de suburbano assalariado conformado, apesar do contínuo de 15 ou 20 metros de carrinhos e pessoas alternados. Cerca de ½ hora depois já são o meio da fila e diante da demora, o papo vai acabando e torna-se chato o fim de noite.

Sem nenhuma cerimônia, um carrinho começa a ladear a fila aos poucos. Num rápido movimento toma a frente do seu, o que faz o assunto cessar de pronto.
- Não pode... o cara não pode ser tão cara de pau.
- É o mesmo que bateu em ti antes...

E ninguém além dos dois abriu a boca pra falar. Pareciam sua filha, acuada em um canto e com medo da discussão. Percebendo a falta de apoio do restante da fila, ele hesita em chamar alguém ou falar algo. Ela não, não deixaria passar essa.

A cara de desdém do cidadão irritou, mas nem tanto. O jeito como se virou e fez que não era com ele passou perto de fazer um rombo em seu peito... mas passou. Um filme em sua mente, anos sem reação à violência muda de quem vira as costas. Insultos e um empurrão distante no espaço e tempo.

Agora, ali diante de seus olhos, não era a si que ignorava. Estava diante do seu limite insuperável, e o destino lhe dera a chance de reparar algumas coisas.

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Todos os anos passam e com eles a gente deixa um certo embaraço de não ter chegado a lugar nenhum. É como se a vida fosse um eterno reviver de cenas e condições em que não podemos alterar. E sempre há um novo natal, um novo começo, uma promessa não cumprida. Um desejo de ida sem volta, como uma migração para corações alheios. Sempre há um novo ano para se viver tudo, tudo de novo.

O menino olhou pra frente sempre, sem mesmo enxergar o que havia. Achou sua mulher em uma esquina esquecida, por suas andanças que queria esquecer. Jamais tocou no assunto “ele” sem ser perguntado e era muito reticente em seu passado. O futuro era o que ele queria, mais nada.

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Pairou no ar por um instante, e o mundo girou ao contrário sem querer. Com os olhos fechados ele se viu novamente em algum espelho da alma. Tal reflexo não lhe negou a dor ou sofrimento antes guardado. Não existe ética na consciência. Não era mais indefeso ou menino. Não era um produto do meio, não senhor. Era um produto de sua própria dor.

Sua mão pousou justa sobre a lata de atum a pouco depositada no carrinho e caminhou lentamente em direção aos dois, era hora do show. Fechou a lata na mão e, mesmo sem pensar no que estava fazendo, socou o homem no supercílio esquerdo. Caindo pra trás o homem ainda viu o seu opressor voando em sua direção. Aos que tentaram ajudar sobrou ainda migalhas do seu ódio. Soco a soco, com a lata ferindo o rosto alheio, esvaziou toda a dispensa de sua alma.
Ligo o pisca para um lado, mas viro para o outro. Tento me enganar que tenho escolhas.

Anotar

A idéia sempre surge quando não consigo anotar. Ônibus, trabalho, um momento com os olhos parados e o texto surge no horizonte. Nem papel, nem caneta, nem sequer um tempo para anotar nada. “Eu vou me lembrar mais tarde” penso, assim como penso que sou um grande escritor.

Lapsos à parte, tenho sorte de conseguir parar à frente do computador, liga-lo e ainda ter coisas para materializar. O que escrevo (e publico) é um extenso mínimo do que penso.