terça-feira, 20 de março de 2007

Mary Jane

Ela chegou em casa bem pequena. Lembro que disse a minha irmã que havia sido enganada, que não era um Pastor Alemão. Ela confirmou que havia comprado em uma loja, que forneceu a documentação do animal, e tudo mais. Pensei comigo: "Como esse bicho vai crescer e virar um Pastor?". A resposta me veio em poucos meses.

No primeiro inverno, eu quase não conseguia mais pegá-la no colo. Ela era um bebê de uns 25 quilos, e crescendo. Não sabia fazer outra coisa senão brincar de morder o meu sapato, mesmo com meu pé dentro dele. Às vezes pela manhã, principalmente quando eu não queria, ela tentava me derrubar no chão para brincar. Por várias vezes tive que voltar para casa e trocar de roupa, me atrasando para o trabalho ou para a aula.

Quando esfriou muito, ela ganhou um suéter de lã, nunca mais me esqueci. Eu nunca havia visto um cão daquele tamanho com um suéter, assim como os meus vizinhos. Era a sensação da rua inteira. Em um dia com geada, tirou uma bela foto no gramado com o seu suéter.

Ela crescia e se tornava cada vez mais membro da família. Seu choro era ouvido como reclamação. Quando se estava sozinho, ela era o ombro amigo. A conversa, em que ela escutava apenas, era como um desabafo com um amigo. Por diversas vezes, me peguei pensando nela como um irmão ou primo, que tinha ali uma função familiar. Não era mais só um cachorro de raça, era parte da "nossa raça", com sobrenome. O nome dela era Mary Jane.

Ela teve diversos amigos da mesma espécie, e alguns até de outra, com os quais compartilhou espaço, alimento, carinho e amizade. Mesmo assim, eles iam embora um dia, deixando seus dias mais longos e suas noites mais frias. Era visível sua tristeza ao perder um amigo querido, um ente que ela considerava parte de si mesmo, por vezes.

Eu saí de casa, aos 23 anos, formei minha família, e a cumprimentava nos fins-de-semana. Antes mesmo de chegar, ela já estava sobre as patas traseiras, pendurada à grade da frente, com quem diz: "Olá, veio nos ver? Estava com saudade". Voltei a morar na mesma casa aos 26, onde ela estava me esperando, uma herança em vida de minha família. Única moradora que nunca abandonou aquele lugar, a não ser por um curto período de férias na praia.

Neste último carnaval, ficamos todos os chuvosos dias do feriado no litoral. Arranjei um vizinho para alimentá-la e cuidá-la. Quando voltamos, ela fez aquela festa, pulando e latindo como se tivéssemos voltado depois de meses. O pote de comida cheio delatou sua depressão por estar sozinha. Na madrugada pude ouvi-la comendo desesperada.

Dia desses, quando falava com outro vizinho, ele me confessou ficar incomodado com ela no carnaval. Perguntei porque e ele me afirmou que não viu ela sair do portão nos 4 dias em que estivemos fora. Ela uivava durante toda a noite e adormecia ao amanhecer, junto ao portão, olhando para a rua. Por vezes, adormeceu mesmo na chuva e no frio, mas se recusava a sair dali. Ele disse que se a gente não voltasse na quarta-feira, ele iria ligar.

O valor de um animal, um companheiro, está no quanto ele pode te emocionar com suas atitudes.

Um comentário:

Anônimo disse...

nem sempre as palavras são as melhores a explicar algo, os sentimentos ainda são excelência nas expressões das emoções.
também adoro bichos, tenho vários e eles são incríveis.