terça-feira, 22 de maio de 2007

Cárcere

Todo dia pela manhã, se olhava dentro daquelas 4 metas, que lhe auxiliavam tão somente a fazer a barba. O espelho era para ele um instrumento apenas, uma ferramenta diária, onde se percebia o penteado torto e os dentes limpos.

Encontro marcado, pela manhã se mostrava a cara para o dia, mas sempre antes o espelho lhe alertava as imperfeições da sobrancelha e da costeleta. Fazia saber da necessidade do aparelho ortodôntico e da troca do óculos.

Entretanto, ele nunca viu realmente a si mesmo. Preso no espelho, atrás de sua imagem, outro cara agitava os braços furiosamente, tentando chamar a sua atenção. Mudo, fazia de tudo para ser percebido, mas nunca conseguiu sair da escuridão.

Mesmo depois de muitos anos, com a mesma vitalidade, sacudia o espelho por trás. Mudou de estratégia várias vezes, mas nunca desistiu de ser percebido a sua existência. Fazia da sua imagem escondida as coisas mais horrendas, para que nunca fosse esquecido caso visto.

Na janela dele, todo dia, uma menina o observava. Enxergava dentro, o que ele não via no espelho.

3 comentários:

Anônimo disse...

e vejo coisas lindas que renderiam um livro, uma história ou uma outra vida.
bju
se cuida

Diego GF disse...

Somos carcereiros de nós mesmos...
Muito bom.
Abraço!

Anônimo disse...

Curioso... Comigo, acontece o contrário: evito olhar fixamente o espelho (além das óbvias razões estéticas), por um quase medo do que vejo lá. Não. Não é medo. Está mais para vergonha.
Pois aquele cara, alí, tão perto, e tão longe, me parece mesmo ter chegado em lugares onde não tive a capacidade de ir.