Todo dia pela manhã, se olhava dentro daquelas 4 metas, que lhe auxiliavam tão somente a fazer a barba. O espelho era para ele um instrumento apenas, uma ferramenta diária, onde se percebia o penteado torto e os dentes limpos.
Encontro marcado, pela manhã se mostrava a cara para o dia, mas sempre antes o espelho lhe alertava as imperfeições da sobrancelha e da costeleta. Fazia saber da necessidade do aparelho ortodôntico e da troca do óculos.
Entretanto, ele nunca viu realmente a si mesmo. Preso no espelho, atrás de sua imagem, outro cara agitava os braços furiosamente, tentando chamar a sua atenção. Mudo, fazia de tudo para ser percebido, mas nunca conseguiu sair da escuridão.
Mesmo depois de muitos anos, com a mesma vitalidade, sacudia o espelho por trás. Mudou de estratégia várias vezes, mas nunca desistiu de ser percebido a sua existência. Fazia da sua imagem escondida as coisas mais horrendas, para que nunca fosse esquecido caso visto.
Na janela dele, todo dia, uma menina o observava. Enxergava dentro, o que ele não via no espelho.
terça-feira, 22 de maio de 2007
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3 comentários:
e vejo coisas lindas que renderiam um livro, uma história ou uma outra vida.
bju
se cuida
Somos carcereiros de nós mesmos...
Muito bom.
Abraço!
Curioso... Comigo, acontece o contrário: evito olhar fixamente o espelho (além das óbvias razões estéticas), por um quase medo do que vejo lá. Não. Não é medo. Está mais para vergonha.
Pois aquele cara, alí, tão perto, e tão longe, me parece mesmo ter chegado em lugares onde não tive a capacidade de ir.
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